BATALHA ATRÁS DE BATALHA - PAUL THOMAS ANDERSON (2025)
- António Roma Torres
- 2 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 7 dias
GUERRA CIVIL
António Roma Torres
Batalha Atrás de Batalha de Paul Thomas Anderson figura uma espécie de guerra civil total em que o espectador como os seus protagonistas - impecáveis os desempenhos de Leonardo di Caprio e Sean Penn - está imerso, sem perceber muito bem o início ou o fim das histórias, mas mantendo a esperança de encontrar o sentido de tudo o que acontece na História.
Ao décimo filme Paul Thomas Anderson é um velho conhecido a que não se nega o virtuosismo de construção cinematográfica, mas podemo-nos retrair face ao mundo fechado para que cada um dos seus filmes nos convoca. Em todo o caso, segundo o IMdb foi o único realizador a vencer o prémio de melhor realizador em cada um dos três principais festivais de cinema da Europa: Embriagado de Amor em Cannes (2002), Haverá Sangue em Berlim (2008) e The Master - O Mentor em Veneza (2012). Teve também onze nomeações para oscar entre melhor argumento apenas (Jogos de Prazer, Magnolia e Vício Íntrinseco), ou acumulando com melhores realização e filme (Haverá Sangue, Linha Fantasma e Licorice Pizza).
A verdade é que à primeira vista Batalha Atrás de Batalha apresenta-se como um contínuo filme de acção, que o próprio título sugere, toda a complexidade aparentando estar nas cenas espectaculares e na montagem trepidante da tecnologia actual do cinema que prende o espectador e lhe capta a atenção por completo.
No entanto há um outro texto que percorre especialmente os diálogos do filme e capta logo a atenção no prólogo centrado numa personagem significativamente chamada Perfidia (Teyana Taylor), palavra que em português (e também castelhano e italiano) se refere a uma característica, de grande ressonância bíblica, que leva à quebra completa de confiança em alguém.
Perfidia tem um grande destaque na luta armada que acontece nas ruas da cidade apesar da sinalética de um combate obviamente militar, mas tem um romance secreto com Pat/Bob (Leonardo di Caprio), outro militante de um grupo revolucionário de extrema-esquerda designado como French 75. A revolução pode ser “francesa” (french), uma década antes em Maio 68 ou séculos atrás na tomada da Bastilha (1789), mas teve óbvia repercussão americana, então e, aqui chegados, agora (apesar destas coisas, também se diz nos diálogos, “não serem verdadeiramente contadas na escola”). No meio de explosões e rebentamentos, invasões e retiradas, Perfidia enfrenta Lockjaw (Sean Penn), um coronel americano duro, com nome derivado dos Marvel Comics e, saberemos depois, filiado numa organização de brancos supremacistas, ironicamente chamada Clube dos Aventureiros do Natal, na cena violado (“ao contrário”, dirá ele mais tarde, já meio incapacitado) pela guerrilheira negra.
A introdução apresenta de imediato os três ingredientes essenciais: a violência extrema, gráfica, numa espécie de wrestling de grupo, o poderio como encenação absoluta; o erotismo desbordante que lhe está facilmente associado; e a natalidade, como futuro em gestação, associada à maternidade quase obscenamente próxima da metralhadora.
Na segunda parte, dezasseis anos depois, agora em volta de Charlene/Willa (Chase Infinity), fruto daquela gravidez interracial de paternidade duvidosa, batalha atrás de batalha, a esquecerem ou confundirem as senhas e as missões inesperadas agora com saborosas personagens secundárias como um professor de karate, Sensei/Sergio St. Carlos (Benicio del Toro), afinal menos asiático que latino, já todos inevitavelmente cansados, personagens e actores, o realizador, e consequentemente o espectador na plateia, depois das loucas correrias de perder o fôlego. O filme deixa-se encaixar na fórmula que ultimamente mereceu os oscars de melhor filme na Academia Americana (Anora ou Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo), sem ousar beliscar de forma demasiadamente identificável a paisagem MAGA v. Antifas que parece obviamente satirizar.
Ainda é cedo para saber se Batalha Atrás de Batalha vai ser o grande filme do ano ou apenas mais um “filme de fábrica” Paul Thomas Anderson (ver quadro de colaboradores mais frequentes na wikipedia), com a marca, apesar de tudo falhada, de Magnolia, do qual o realizador terá um dia afirmado ser “para o bem ou para o mal, o melhor filme que eu alguma vez farei” e cita agora nos diálogos com indisfarçável saudade Tom Cruise, que hesitava então entre a primeira missão impossível e os olhos bem abertos que Kubrick lhe propunha. Ou seja, uma espécie de Sergio Leone made in USA, reimportação do western spaghetti já com os sinais de origem difíceis de comprovar.