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Cerromaior - Luís Filipe Rocha (1980)

  • 24 de jun. de 2024
  • 2 min de leitura

Atualizado: 15 de jan.



 

Baseado  num  romance de Manuel da Fonseca, bem exemplar da literatura neo-realista portuguesa, Luís  Filipe  Rocha em "Cerromaior" propõe-nos  uma  visão  do  Alentejo dos anos  trinta onde a serenidade no  uso  dos  meios  expressivos não esconde üma marcada violência latente que percorre todo o filme mas não é nun­ca, nem o motor do espectá­culo naquilo que podia haver de influência do "western" num cinema que afinal é, até pela sua realização geográfica um cinema de espaços abertos, nem sequer o argumento militante de uma perspectiva so­cial que é evidente em todo o filme mas não se afunila nos conflitos mais simplistas.

 

Com "Manhã submersa" e agora com "Cerromaior", fil­me que ganhou o grande pré­mio do Festival da Figueira da Foz e foi recentemente exibido numa das sessões oficiais do Festival do Cannes, o cinema português experiencia uma via sem dúvida mais universalista, onde o rigor narrativo constantemente do­mina o narcisismo de autor, qüe parece ter sido sempre uma constante do que se pode chamar cinema novo português. Aliás Luís Filipe Rocha é neste sentido um cineasta exemplarmente modesto recusando todos os truques de um exibicionismo fácil, assumindo , por vezes uma  total pobreza do meios, como em "A  fuga", sua anterior longa-metragem, inédita na exibição comercial, modéstia de alguma forma ainda persistente em "Cerromaior", onde algumas sequências são já encenadas com uma segurança que é rara no cinema produzido entre nós (penso particularmente em cenas interiores, onde os extensos movimentos de câmara nos dão, mais que um "cenário", um "tempo", sem dúvida um dos trunfos que o filme joga mais habilidosamente). 


Tal como em "Barronhos - Quem Teve Medo do Poder Popular?", um dos raros filmes de intervenção em que a construção do sentido se não deixa ao efeito supostamente mágico de um microfone que interroga, e em "A Fuga", também em "Cerromaior" Luís Filipe Rocha sem escamotear  as  contradições e as oposições sociais, situa-se para  além  do  jogo  estereotipado dos bons e dos maus. Há um olhar compreensivo  sobre os personagens, e ao mesmo tempo algo de misterioso  que  parece  escapar  de  cada um deles, o que dá  ao  cinema do Luís Filipe Rocha uma dimensão interior que curiosamente não é feita de qualquer acento psicologista,  mas  de  um tratamento peculiar, discreto. até distante; mas ao mesmo tempo solidário, que o cineasta parece reservar a todos os seus personagens. Recusando para si qualquer posição de instância parti­cularmente apta  ao  julgamento da História, mas sem por isso esbater o filme em qualquer tonalidade de um neutralismo desinteressado das lutas  so­ciais, Luís Filipe Rocha faz de algum modo uma releitura do neorrealismo, ainda aí profundamente solidária, ampliando a visão mas praticamente sem acentuar qualquer perspectiva crítica.

 

"Cerromalor" não é um filme perfeito. Chega a entusias­mar na construção de algumas das sequências mas evidencia também algumas dificuldades da articulação  narrativa,  onde  fa­lha o sentido da unidade e da economia dos meios expressi­vos. 


No entanto, "Cerromalor" é a definitiva revelação de um cineasta português, capaz de fazer um cinema narrativo até com algum impacto popular, e revelando ao mesmo tempo uma personalidade e uma sen­sibilidade que não deixou de lembrar, de certa maneira, Ma­noel do Oliveira e um tipo de cinema que.  por  paradoxal  que a afirmação possa parecer, é precisamente o contrário do cinema do autor.

 

A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 1/6/1981

 

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