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Kilas O Mau Da Fita - José Fonseca E Costa (1980)

  • 24 de jun. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 12 de jan.

Kilas, o mau da fita é o resultado de uma aposta num cinema português popular escolhendo para cenário um meio marginal lisboeta que um pouco na sequência deste  projecto de Fonseca e Costa  que  esteve parado um ano por dificuldades de produção, interessou também a literatura (Crónica dos bons malandros de Mário Zambujai) e a televisão (Zé Gato do Dinis Machado e  Ro­gério Ceitil).

 

Trata-se por outro lado, no final da década de  um ciclo do próprio cinema português que se fecha. Depois de uma esperança crítica na pseudoliberalização marcelista e na arrancada da Gulbenkian (momento em que Fonseca e Costa roda a sua primeira longa metragem O recado que retratava, embora implicitamente mas com algum desencanto a opressão em que restava apenas "hibernar para aí aos ventos e às pedras, deixando crescer a rai­va à espera que a raiva rebente») o de toda a procura algo desencontrada de um cinema de intervenção que acom­panhasse com entusiasmo os passos da Revolução (Os Demónios de Alcácer Quibir foi a proposta de Fonseca e Costa algo céptlca consciente de que "isto não vai com cantigas pois malteses ou não seremos sempre a força explorada enquan­to a raiva não se transformar em força organizada"), o cine­ma português opta agora pelo registo mais simples do melo­drama ou da comédia directa num ambiente «kitsh» contro­lado em Kilas ou A culpa ou por uma intenção mais universalista inspirada na literatura em Manhã submersa ou Cerromaior.


O terceiro filme de Fonseca e Costa, Kilas, o mau da fita é entretanto, e um pouco como sucedera já com O recado. um novo olhar sobre a capital mas agora não já com a preocupação de pintar o tom natu­ralista que Cunha Telles escolheu no rosto de Maria Cabral com os traços de Antonloni, mas evocando a memória cinematográfica portuguesa, que vai da encenação das comédias dos anos quarenta, de onde sai Mllu na personagem da Madrinha, à reportagem do Belarmino dos anos sessenta, fugidiamente captado  Fernando Lopes no grupo que o Major persegue filmado num "grau zero da escrita clnematográfica" que é o documento, neste caso de simples espionagem. Alias é sempre do  cinema  que se trata sejam os "posters" de Rita Hayworlh, que inspiram a "Pepsi Rita" interpretada por Lia Gama, ou de Bruce  Lee,  sejam as sessões da cinema  onde se exibem fitas portuguesas "sempre tão  chatas" como se diz nos diálogos ironicamente e para que o presente filme constitui também uma proposta de solução.


Assim mesmo Fonseca e Costa move-se como nos seus filmes anteriores num certo gosto do narrativo que se não deixa  seduzir pelas experiências mais cerebrais no domí­nio da linguagem  cinematográfica. Trata se de contar uma  historia no meio de rufias  e  chulos que encerra em si no entanto um certo simbolismo do parasitismo lusitano que a Revolução não venceu. Como O  recado  e Os  demónios  de Alcácer Quibir Kilas  é   ainda um testemunho  cifrado  sobre um dado momento da realidade política   portuguesa. Kilas (Mário Viegas) e Tereno (Luís Lello) lutam pelo poder no seu pequeno grupo enquanto o Major (Lima Duarte) os envolve numa  outra luta pelo  poder  feita  de  ataques bombistas e de intimidações justificadas por  um  dis­curso deslizantemente direitista (da social democracia à ditadura?) que legitima a demo­cracia "enquanto" ou "desde que os comunistas não ga­nhem no jogo dos votos".


Kilas é o primeiro filme de Fonseca  e  Costa  cuja   acção se situa depois  do  25  da Abril e  também  depois   do   25 de Novembro aliás sem as excessivas lamentações de que tem abusado algum cinema português. Talvez por isso a re­ferência à clandestmidade, constante no cinema de  Fon­seca e  Costa, ganha ago­ra novos matizes. Nada  sabemos do grupo que é vigiado a não ser através das apressadas imagens cinematográficas de amador e o submundo  de Kilas e de  Tereno  não  tem  a nobreza  de  personagens como Francisco ou Mal-de vivre de O recado ou como os Malteses ou Camolas de Os demónios de Alcácer Qui­bir. Não se trata de resistência digna mas em última  aná­lise ineficaz, de um tempo "da raiva a crescer", mas de um fenómeno que talvez diga  respeito às novas estruturas de­mocráticas onde a marginalidade é mais uma consequência que uma opção. Ainda assim a luta entre Kilas e Tereno na sombra sinlstra das  instruções  manipuladoras      do Major, não é  apenas  uma  ima­gem de luta pelo  poder  no  ou­tro lado da nossa pseudo-epopeia revolucionária,  mas   encerra também  um certo valor moral na recusa de Kilas, apesar disso responsável      pelo compromisso inicial com o  Major.


A derrota final de Kilas é a afirmação da impossibilidade de inverter o processo desencadeado, mas também mais uma vez  o pendor derrotista de Fonseca e Costa para  o qual a imagem final de Lia Gama não é contraponto suflcilente.


 A. Roma Torres in Jornal de Notícias, 6/3/1981 

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