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TUDO O QUE IMAGINAMOS COMO LUZ - PAYAL KAPADIA (2024)

  • Foto do escritor: António Roma Torres
    António Roma Torres
  • 9 de jan.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 10 de jan.

MANOBRAS DE RESSUSCITAÇÃO

António Roma Torres

 

A Índia logo depois da independência (1947) atraiu cineastas de alta craveira como Jean Renoir ou Roberto Rossellini que lá rodaram O Rio Sagrado (1951) e Matri Bhumi (1959), respectivamente.


Entretanto a produção local revelou também no final da década de 1950 um autor como Satyajit Ray, que verá Aparajito/O Invicto, o filme intermédio da chamada trilogia de Apu, e Salão de Música estrear em Portugal apenas em 2022 (estes e mais cinco filmes de Satyajit Ray estão contudo no streaming da Filmin), enquanto Bolywood tem uma larguíssima produção de espectáculos de cor e música, no mais estrito senso do registo melodramático, que em todo o caso praticamente não se difundem nas salas de cinema do exterior.


Payal Kapadia é uma nova realizadora (n. 1986) com uma curta-metragem inicial, e uma longa-metragem anterior, Noite Incerta, onde a divisão entre documentário e ficção já era questionável, parecendo agora inclinar-se mais para a ficção em Tudo o que Imaginamos como Luz.


Mas o filme verdadeiramente é um retrato de Bombaim, grande metrópole, superpovoada, onde afluem as três personagens principais e diz-se, logo nas cenas iniciais, "Vivo aqui há 23 anos e tenho o receio de lhe chamar a minha terra. Tenho sempre a sensação de que tenho de partir". Mas o tom parece sempre fluido, talvez pelas repetidas viagens em transporte público e passeios a pé, onde se repetem manhãs, entardeceres ou noites escuras e luzes da cidade que fazem jus ao poético título do filme, que pode constituir, aliás, uma divisa do efeito de luz do próprio cinema.


O filme chegou a Cannes também com uma auréola (ainda na semântica um efeito luminoso), que o embalou para o Grand Prix num contexto em que o norte-americano Anora, como se diz, lhe levou a Palma (de Ouro). Contudo não escapará ao espectador o carácter de filme crónica que ambos os filmes partilham e que esbatem o modo narrativo do cinema mais convencional. A Sight and Sound, revista britânica de cinema, veio, no entanto, a considerá-lo o melhor filme de 2024.


Prabha (Kani Kusruti) e Anu (Divya Prabha) são enfermeiras no mesmo hospital onde trabalha também Parvaty (Chhaya Kadam). Mais que as suas histórias, Tudo o que Imaginamos como Luz ressalta as suas diferenças, de idades e culturas.


Prabha teve um casamento combinado com o marido, praticamente estranho a residir na Alemanha e já apenas com um único contacto reduzido a um utensílio de cozinha chegado pelo correio sem aviso, e não se atreve a aceitar o namoro encoberto de um doutor pronto a regressar à sua cidade de origem.


Anu, mais nova, partilha com a colega mais velha a casa e, pelo contrário, envolve-se num romance com um jovem, contudo de uma comunidade muçulmana a que ela não pertence.


Parvaty, mais velha, é viúva, mas vê-se despojada do seu alojamento e obrigada a regressar à aldeia, onde as outras duas a acompanham num fim-de-semana à beira-mar. Nessa pacatez contrastante com o bulício da grande metrópole, Prabba vai ter de fazer manobras de ressuscitação cardio-pulmonar a um desconhecido vítima de um afogamento iminente.


E de repente o afogado é tomado pelo marido ausente ou surge na sua fantasia como tal. Como se do mar pudesse sair um passado a reconstruir-se, mas no fim do dia tudo se esvai numa dança ao luar.


Mais que narrar os acontecimentos das histórias das suas personagens, Payal Kapadia parece querer retratar estados de alma e principalmente uma zona de doce ambiguidade. Como se diz, no início “há um acordo tácito nesta cidade. Mesmo que vivas na sarjeta não tens o direito de sentir raiva".


Mas o que acaba por levar a empreitada a bom fim é a expressividade dos diálogos, das imagens, da música, sem a violência das manobras cardio-respiratórias, mas provavelmente também procurando atrair o inevitável sopro da vida.


O filme é Bombaim, a terra natal da realizadora, mas as Índias são muitas e falam línguas diversas. Há 22 idiomas oficiais na Índia. No filme falam-se três deles: malaiala, hindi e marata. Alguém sugeria que numa versão legendada numa única língua, diferentes cores deviam indicar as variações dos idiomas. Aliás as legendas em amarelo, que no filme correspondem a mensagens de telemóvel, já constituem uma forma inteligente de fazer coabitar diferentes canais de comunicação.

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